" Comprimido da ineptidão "
A propósito das últimas notícias intituladas de "comprimido da inteligência ", muito se tem falado, mas ainda estão por dizer muitas coisas de importância relevante.
Vamos a ser racionais, esses medicamentos estão indicados para crianças e jovens com diagnóstico confirmado de hiperactividade e/ou défice de atenção. Constituem substâncias químicas com acção no sistema nervoso central e que visam controlar os sintomas daquela patologia. Tal como todos os medicamentos, estas substâncias têm uma janela terapêutica que tem de ser respeitada, tem efeitos secundários e contra-indicações. Assim, como todos os medicamentos, deve ser analisada a balança risco/benefício e só deverá ser prescrito se os benefícios ultrapassarem claramente os riscos. Isto aplica-se, e repito, quando há diagnóstico confirmado.
Ora, quando não há hiperactividade e/ou défice de atenção, nada disto se aplica ou se pode aplicar. Se não há doença para quê a terapêutica? Estas substânvias não se destinam a tratar crianças e jovens normais, daqueles que têm a cabeça na lua (felizmente), bichos carpinteiros no rabo e molas na sola dos pés. Não se destinam a mante-los sossegaditos e obedientes em casa e pasmados nas aulas.
Porém, para júbilo de muitos, estas substâncias quando administradas a pessoas saudáveis, além de as tornar ainda mais sossegadinhas, menos curiosas e perguntadeiras, consegue a proeza de manter os alunos completamente (e artificialmente) concentrados nas aulas, nos testes e nos tempos de estudo. Daqui resulta que estes alunos obtêm melhores resultados escolares com muito menos trabalho, e com menos cansaço.
Para que isto suceda nas proporções gigantescas em que se verifica em Portugal, abarcando crianças, jovens e jovens adultos, tem de haver a colaboração de vários intervenientes : médicos que prescrevem, pais que administram ou permitem a administração e comunidade escolar que sabe e se cala. Cala-se porque estes se tornam alunos que não questionam, que são máquinas assimiladoras de dogmas, e ajudam a escola a subir no ranking dos exames. Aos pais agrada o sucesso escolar dos filhos, o que os poupa a mais uma preocupação, além das que a vida lhes traz. Quanto aos alunos, não sei se lhes agrada ou não, acredito que sim, a avaliar a ligeireza com que aconselham aos amigos as maravilhas deste milagre. Vêm alguns clínicos dizer que são medicamentos seguros e muito estudados! Sim, podem até estar devidamente estudados em doentes e ser seguros em doentes. Mas, e em cobaias saudáveis ?! Já leram os efeitos adversos possíveis? Depressão, irritabilidade, insónia, oscilações de humor, esquizofrenia, tendências suicidas ou de auto-mutilação,comportamentos obsessivos, tiques, ..... chega?
E a parte ética? Estas substâncias são para o estudo o que o dopping é para o desporto. Estes alunos fazem batota. A pressão das notas de excelência e dos quadros de honra ensinam-lhes a não olhar a meios para atingir fins. E boicotam-se a si próprios. Pois se recorrem a estas substâncias é porque acreditam que não têm competências próprias suficientes para alcançar os seus objectivos, não acreditam em si próprios. Ou então são desprovidos de valores morais como o respeito e a lealdade.
E os pais ? Amam os filhos incondicionalmente? Aceitam-nos com as competências e dificuldades que eles têm como todos temos? Talvez acreditem que os seus filhos não têm capacidade de ter sucesso fazendo uso só do trabalho e da inteligência. Ou querem que o sucesso dos filhos, a qualquer custo, lhes sirva de lenitivo aos seus fracassos pessoais.
Estamos a impedir o progresso da ciência e o evoluir do conhecimento. Calamos os curiosos, os pensadores, o activistas, e criamos bandos de zombies empregáveis não pensantes. Não mais teremos um Einstein, nem um Da Vinci, nem um Gandhi. .... O que andamos a fazer ?