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Smiles & Tears

Guia de sobrevivência para mulheres fantásticas

Smiles & Tears

Guia de sobrevivência para mulheres fantásticas

Carta para o Céu

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Há 12 anos atrás vivemos um dia muito triste. Partiste ... ficámos sem ti. Que falta fazes .....

Nós chorámos a tua perda, sofremos pela tua ausência e erguemo-nos de seguida.

Hoje, venho contar-te como temos sido uns guerreiros. Espero que te orgulhes de nós.

O Kike é um rapaz bonito, bem formado, carinhososo e joga ténis (seguindo o teu vício) Ah! E também toca bateria (agora a sala está mais pequena).

A Pombinha continua aquela coisa fofa que tu seguraste à saída da sala de partos. Miúda de bons princípios, sensível, mas também refilona (não suporta injustiças). Toca piano (mais um cantinho roubado à sala) e canta .... muito!

E são muito amigos, como tu gostarias que fossem.

Eu e o Pedro continuamos um "casal bonito", como nos apelidaste. Há até quem, em tom de brincadeira, nos chame de "casal maravilha".

Somos uma família feliz !

Bem sei que me fizeste prometer que ia manter toda a família unida (mantém os elos da cadeia todos ligados, não deixes que nenhum se parta - jamais esquecerei estas tuas palavras ). Falhei. Desculpa-me. Eu tentei. Tentei tanto, tanto, até à exaustão. Até me faltarem as forças .... Mudei-me, virei-me do avesso, mas não consegui. Tresmalharam-se.

Desisti .... Decidi manter íntegra esta cadeia de 4 elos. E consegui !! Devias ver como nos divertimos juntos. Conversamos, rimos, discutimos e acabamos sempre a combinar a próxima palhaçada !! Como os pequenos tocam e cantam juntos ao serão.

E falamos de ti, sempre. De como aquecias as laranjas no micro-ondas e comias castanhas com manteiga. Rimos das tardes que passámos a ver o TOM & JERRY. Nunca deixei que o Henrique se esquecesse de ti (como se fosse possível). A Pombinha conhece-te como se tivesse usufruído da tua companhia anos e anos.

Se puderes, vai olhando por nós, como fizeste em vida.

Que falta fazes ....

Até um dia.

 

 

 

Sou rafeira, não tenho pedigree ....

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Desde cedo, o impossível foi suprimido ao meu já parco dicionário de criança.

Sendo bisneta de um invisual que criou cinco filhos, e filha de um pai portador de deficiências congénitas, com uma carreira muito bem sucedida na Administração Fiscal, depressa aprendi, pelo exemplo, que as dificuldades estão dentro de nós. Aprendi que, se nas nossas entranhas existir a vontade de fazer ou de alcançar algo, acontecem milagres.

E na minha inocência infantil, eu tinha a certeza de que todos tínhamos as mesmas oportunidades e que ninguém ligava ao supérfluo. Que só contava o carácter. Até porque lá em casa, no Natal, davam-se presentes aos senhores que recolhiam o lixo. E o senhor que tratava do jardim almoçava na sala connosco.

E era óptimo, porque o meu grupo de amigos era o mais heterogéneo que se possa imaginar. Ora, pois, o que interessava era mesmo se eram meus amigos, e eu deles.

Mais tarde, mesmo muito mais tarde, percebi que no mundo dos adultos nem sempre é assim. Dura aprendizagem. Mostraram-me que há quem pense que, tal como os cães, os homens e mulheres podem ter pedigree. Este pedigree não tem que ver com o tipo de pelo, focinho comprido ou achatado, orelhas caídas ou espetadas..... Tive dificuldade em assimilar o conceito de pedigree humano. Depois percebi. Depois de me fazerem sentir o que é não ter pedigree, percebi que o pedigree é mais ou menos um certificado de qualidade. Assim, o pedigree garante a qualidade da pessoa sem necessidade que ela se mostre, tipo qualidade certificada inquestionável.

Por comparação, para mim o pedigree humano funciona mais ou menos como as embalagens comerciais bonitas, estilizadas, de uma opacidade escura. Deste modo, o consumidor compra, mas só conhece o conteúdo depois de abrir a embalagem.

Fiquei confusa com esta realidade. Eu que sempre fui espontânea e transparente, demais, talvez. Mas para que queria eu uma embalagem opaca? Não tinha nada a esconder !! Mais a mais, essa minha transparência nunca me impediu de atingir as minhas metas, fui aluna de excelência, recebi prémios de mérito, ....

Então, orgulhosa da simplicidade dos meus dias, das minhas amizades e dos meus amores, gritei alto, tão alto quanto a voz me deixou : " Sou rafeira, não tenho pedigree !! ".

 

 

 

 

Esfoladelas na alma ..

Desde que a vida me deu dois ou três pontapés, daqueles de doem, fiquei diferente. Principalmente quando são daqueles pontapés acompanhados de rasteiras, em que caíamos e podemos demorar a erguer. Ou nunca. Passei a valorizar os dias que me são oferecidos, a abraçar o privilégio de viver com saúde e rodeada de quem se gosta.

Este ano, e porque fui presenteada com mais um pontapé, fui de férias ainda mais grudada nos momentos e nas pessoas. E fui sem saber se era apenas uma rasteirita, daquelas que dá para continuar só com os joelhos esfolados, ou daquelas em que se vomita e nos cai o cabelo.

Fui ainda com mais vontade, e mais feliz. Quis aproveitar tudo .....não se sabe o dia de amanhã....

E logo no primeiro dia de férias, foi-me dada a conhecer uma jovem de vinte e poucos anos. Bonita, morena e de sorriso fácil. Ria muito, abraçava mais ainda e passava o dia a dar pinotes. E fazia quimioterapia, lutava contra um cancro há oito anos. Punha extensões no cabelo e atava-o com fitas, ninguém notava que todos os dias lhe caía mais um pouco. Vomitava escondida entre as sebes floridas.

Nos dias seguintes em que lhe admirei a coragem, talvez até tenha sentido um pouquinho de inveja da leveza com que dava pinotes, eu soube que a minha rasteira era muito mais pequena que a rasteira dela. A minha só esfola os joelhos .....

E senti-me grata... Também me senti minúscula perante a grandeza daquela jovem.

Deixei-lhe algo meu e selámos a nossa amizade num abraço terno de despedida.

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